O Princípio da Audição da
Criança traduz-se na concretização do direito à palavra e à expressão da
vontade da criança, ou seja, a que participem ativamente nos processos que lhe
digam respeito, tendo o direito a ser informada sobre todos os elementos
relevantes, sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a
sua opinião, bem como sobre as potenciais consequências de qualquer decisão e
ainda de exprimir a sua opinião no âmbito desses mesmos processos.
Na grande maioria dos
processos que correm termos nos tribunais portugueses, as crianças menores de
doze anos são afastadas dos litígios.
Quanto à audição da criança
com idade igual ou superior a doze anos, pode-se mesmo afirmar que existe uma obrigatoriedade
legal na sua audição, isto porque o legislador considera que a partir desta
idade a criança atinge um grau de desenvolvimento que lhe permite compreender e
atuar com o meio envolvente e, como tal, ter maturidade e desenvolvimento
psíquico e moral para decidir e participar no processo que decida questões
relevantes para a sua vida.
“Existe obrigatoriedade legal na audição da criança com idade igual ou superior a doze anos”
Muito recentemente, o
ordenamento jurídico português acolheu, nos termos da Resolução da Assembleia
da República n.º 20/90 , de 8 de junho de 1990, e pelo Decreto do Presidente da
República n.º 49/90, de 12 de setembro, a Convenção sobre os Direitos da
Criança que prevê no seu art.º 12.º que:
“Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito
de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo
devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de
acordo com a sua idade e maturidade.
Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”
“é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem”
Acresce que o artigo 3.º e 6.º da Convenção Europeia
sobre o exercício dos Direitos da Criança adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro
de 1996, recentemente acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da
Assembleia da República n.º 7/2014, de 27 de janeiro de 2014, e pelo Decreto do
Presidente da República n.º 3/2014, de 27 de janeiro, estabelece que: “À Criança
que à luz do direito interno se considere ter discernimento suficiente deverão
ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam
respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: b) Ser
consultada e exprimir a sua opinião; Nos processos que digam respeito a uma
Criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: c) ter
devidamente em conta as opiniões expressas da Criança”.
A prática judiciária
portuguesa em manter a criança longe do litígio, a não ser que a sua audição
seja imprescindível, é claramente desconforme com as regras e princípios da
Convenção sobre os Direitos das Crianças, Regulamento CE n.º 2201/2003 – o que
gera problemas no reconhecimento das decisões junto de autoridades judiciárias
estrangeiras.
Contudo, a tendência para a
audição da criança com idade inferior a doze anos, é uma realidade cada vez
mais presente nos tribunais portugueses, sendo ainda de realçar que tem
existido particular atenção e sensibilidade por parte dos
Tribunais, quando procedem às audições de menores, para que estes se sintam
integrados, à vontade e possam de forma natural e espontânea cooperar com o
Tribunal sem que sintam o peso institucional do
processo.
“a audição da criança com idade inferior a doze anos, é uma realidade cada vez mais presente nos tribunais portugueses”
A razão para a audição da
Criança é a concretização do superior interesse desta, desde que a sua idade ou
maturidade o permita.
É consensual que a audição de
uma criança com idade superior a doze anos constitui uma obrigação legal.
Salvo melhor entendimento, na
nossa opinião, a criança deve ser ouvida em tribunal para transmitir a sua
vontade e opinião se, em caso de ser menor de doze anos, tiver maturidade e
discernimento suficientes para que a opinião manifestada seja credível.
Se a criança tem idade
inferior a doze anos e demonstra ter um conhecimento adequado e realista dos
factos que estão a ser apreciados em Juízo, pode ser ouvida em Tribunal, e
compete ao Juiz, em última instância, determinar qual o valor das declarações
prestadas pela Criança e se poderão influenciar a decisão final do Tribunal.
Concluindo, deverá extrair-se
que no ordenamento jurídico português os Tribunais devem ouvir tanto crianças
maiores de doze anos (audição obrigatória) como crianças com idade inferior a
doze anos (desde que tenham capacidade de discernimento e sempre que estejam em
causa questões que lhe digam respeito, tais como a regulação do exercício das
responsabilidades parentais, a sua própria adoção, resolução de questões de
particular importância que lhes digam respeito e sobre decisões para a sua vida
e para o seu futuro).
A presente Convenção, tendo em
vista o superior interesse das crianças, visa conceder-lhes direitos
processuais e facilitar o seu exercício, garantindo que elas podem ser
informadas, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades,
e que estão autorizadas a participar em processos de família que lhes digam
respeito, em particular os respeitantes ao exercício das responsabilidades
parentais, nos quais são definidas situações importantíssimas para a vida dos
menores, tais como a sua residência e o direito à visita.
Assim, de acordo com o n.º 4
do artigo 21.º do texto da Convenção, esta entrará
em vigor em Portugal no dia 1 de julho de 2014.